Meu amigo Yustrich

Dorival Knipel, ou Yustrich.

Dorival Knipel, ou Yustrich.

Após o post de ontem, aliás, agradeço aos queridos companheiros pelos comentários, houve quem duvidasse que Yustrich tenha tido realmente um amigo jornalista. Por favor, não duvidem. Teve sim, e fui eu.

Convivi com Dorival Knipel, popular Yustrich, quase que diariamente durante os anos de 1970 e 1971. O nosso extraordinário personagem que, como jogador, foi quatro vezes campeão pelo Flamengo e, como treinador, ganhou uma Taça Guanabara, à época em que a Taça Guanabara era um campeonato quase que à parte, pois tinha, além da Taça, volta olímpica e muita comemoração. Ainda como treinador, foi campeão mineiro por quase todos os clubes: Cruzeiro, Atlético, América e até, campeão pelo Siderúrgica, isto em 1964. Também foi campeão português e campeão da Taça de Portugal, treinando o Porto, na temporada 1955/1956. Seu último título como treinador foi pelo Cruzeiro, em 1977, clube onde também encerrou a carreira em 1982.

O nosso personagem, e que personagem, tinha cara de poucos amigos, era enorme, de poucas palavras e era objetivo ao extremo. Os jornalistas que cobriam o Flamengo tinham com ele uma convivência meramente profissional, até porque, penetrar naquela alma não era missão fácil.

O destino nos uniu, quando começando eu na rádio Tupi, recebi do inesquecível Doalcei Benedicto Bueno de Camargo, chefe da equipe e notável locutor, a missão de preencher boa parte de um domingo à tarde, sem futebol, pois era período de férias dos jogadores, em que, obrigatoriamente, deveria apresentar uma matéria “digna”, com o treinador do Flamengo.

Quando recebi este presente de grego, nem acreditei. Achei mesmo que fosse uma pegadinha, pois quatro dias antes, ao sair de férias, Yustrich juntou todos os jornalistas para solicitar que ninguém o importunasse no seu descanso, que seria em seu sítio, em Vespasiano, um pouquinho fora de Belo Horizonte. Quando caí na real, a única coisa que me veio à cabeça foi imaginar que, muito antes desta missão ser um problema, poderia ser, não um presente de grego e, sim, de Deus, pois um “foca” conseguir esta proeza, seria como um primeiro e importante gol na profissão. Primeiro, com jeitinho, fui até o Dodô (assim chamávamos o grande Doalcei), e deixei claro que faria de tudo para conseguir a matéria, mas que tivesse ele a noção da dificuldade da missão. A reação dele me matou, pois disse: “Se pedi para você fazer, é porque tenho certeza de que você pode”. Me mandou passar na administração para pegar as diárias, a passagem, e me desejou boa sorte. Isto, uma quinta-feira. Primeira missão foi descobrir onde era o sítio em Vespasiano e, por favor, principalmente os mais jovens, não imaginem o ano de 1970 com a tecnologia de hoje… Lembrei de uma querida amiga, também jornalista, que vivia em Belo Horizonte e, não foi difícil para ela, em menos de uma hora, descobrir o endereço. Enquanto ela procurava, imaginei como deveria aparecer para ele e, dizer o que? Uma luz, do nada, pintou na minha cabeça quando o telefone tocou, e esta minha amiga me dava a boa notícia de ter conseguido o endereço. Achei que, se chegasse acompanhado, seria mais gentil, mais suave, mais fácil de explicar as nossas presenças. Minha amiga não só topou como, aliás, adorou a ideia da aventura, e se prontificou a levar uma amiga, que era gaúcha e estava hospedada na casa dela.

Peguei o avião na sexta-feira bem cedo, as duas me buscaram no aeroporto e, rumamos direto para Vespasiano. O meu gravador, era, se não estou equivocado da marca UHER e, como características, a qualidade de som e o tamanho. Era enorme… portanto tinha que ficar no carro da minha amiga, pois nem de longe o nosso personagem poderia desconfiar, pelo menos no início, do propósito real da visita. Ah, ia esquecendo de dizer que esta minha amiga jornalista, além de competentíssima e simpática, era muito bonita. A amiga, da amiga, mais bonita ainda… Finalmente, chegamos. Paramos o carro e nos deparamos com um portão enorme de madeira, com algumas frestas que possibilitavam parcial visão do interior do sítio. Mesmo longe, vimos de cara, uma rede branca, balançando, e alguém muito grande estava ali deitado. Suando frio, toquei o sino que ali estava para anunciar a chegada de algum visitante. Segundos após, o portão foi aberto, se a memória não me trai o nome, por Maria, mulher de Yustrich. Simpática, nos recebeu e fui logo dizendo que eu era do Rio, que iria passar o final de semana na casa das minhas amigas e, como uma delas também tinha um sítio em Vespasiano, não poderíamos perder a oportunidade de levar as flores (compramos no caminho) para o casal. De repente, alguém se levanta da rede branca e vem até nós. Não precisei falar nada, pois a dona da casa fez a nossa introdução com enorme carinho. Yustrich me cumprimentou, ficou visivelmente impressionado com a beleza e a simpatia das suas visitantes inesperadas e, nos convidou para entrar. O papo rolou de forma descontraída e amigável, diria mesmo, adorável. Tão bom que, convidados fomos para almoçar. Aceitamos, claro, e o almoço, de tão agradável foi quase até às seis da tarde. Com todos já quase íntimos, imaginei que havia chegado a hora de engatar uma segunda e, pedir a entrevista. Criei coragem e falei o quanto seria importante para mim que estava começando, gravar uma matéria especial com o dono da casa. Yustrich, concordou, porém só fez uma exigência. Tínhamos que voltar para novamente almoçar com eles no dia seguinte. Nem acreditei…

E, ele ainda perguntou: Mas, com que gravador você vai fazer a entrevista? Respondi que minha amiga tinha um UHER espetacular… No dia seguinte, voltamos. Um sábado memorável, um sábado que faz parte da minha história de vida. Talvez, mesmo em se tratando de um “foca”, tenha feito uma das melhores entrevistas como profissional de rádio.  Duas horas de gravação!!! Um show!!! Peguei o último voo para o Rio e ainda no sábado à noite, madrugada adentro, editei o material. A entrevista, de tão boa, foi publicada no dia seguinte, em três páginas, no JORNAL DOS SPORTS.

Há pessoas que somam, que são importantes e decisivas na sua vida. Para mim, Yustrich foi uma delas. O meu primeiro degrau profissional. A minha primeira grande vitória. Onde quer que você esteja neste misterioso e, para nós, desconhecido mundo azul, muitíssimo obrigado, querido amigo.