Nostalgia

Casarão da Jaime Silvado, nos anos 70 (Foto: Agência O Globo)

Casarão da Jaime Silvado, nos anos 70 (Foto: Agência O Globo)

Fora do Rio, recebi a informação de que o nosso Conselho Deliberativo, por expressiva maioria, aprovou a venda, pelo valor de sete milhões de reais, do casarão, na rua Jaime Silvado, em São Conrado.

Longe de querer criticar uma decisão soberana do Conselho mais democrático do Flamengo, mas não dá para não ficar com um nó na garganta e, impossível impedir que doces lembranças não sejam reavivadas.

Como profissional de imprensa, dali vi o Flamengo sair para vitórias memoráveis e para muitos títulos. Ali, numa época em que havia ligação estreita entre jogadores e repórteres, pude realizar matérias maravilhosas.

No casarão da Jaime Silvado, Bebeto, de malas prontas, foi convencido por dois rubro-negros a não retornar para Salvador. A solidão e a saudade da família angustiavam o baianinho. Os argumentos foram convincentes e, Bebeto acabou ficando. O final deste lindo filme todos sabem.

Em 95, quando assumimos a presidência, o casarão estava em petição de miséria, caindo aos pedaços. Fizemos à época, em ação comandada por Plinio Serpa Pinto, uma reforma espetacular, que deixou a nossa concentração um brinco. A grande vantagem em ali concentrar era pela integração, onde todos estavam juntos o tempo todo e, não interagir era impossível.

Vários gênios da bola ali passaram. Ali foi a casa de Zico, o nosso Rei. O último gênio que por lá passou foi Romário.

Tudo ainda está muito claro em minha memória. Os portões, de entrada e garagem. A varanda, a sala de TV, a sala de sinuca, a copa, a cozinha e o salão de refeição, tudo isto em baixo.

Em cima, o varandão, os enormes banheiros e os quartos. O casarão era muito aconchegante.

Claro que, as mudanças fazem parte do processo de vida. Óbvio que há muito mais conforto no Hotel Windsor, que é a nossa concentração desde 2005. Não quero, nem posso comparar estes dois momentos. O que posso assegurar, é que havia magia naquele casarão e que ele é um pedaço importantíssimo da nossa história.

Quando passo pela praia do Flamengo, não há uma única vez que meus olhos não procurem o número 66, local onde o nosso clube deu os seus primeiros passinhos na vida. Ali, durante quase 10 anos, quatro vezes por semana, suava o quimono com o escudo rubro-negro.

praia do Flamengo 66

Local onde ficava a antiga sede, na Praia do Flamengo, 66. (Reprodução Google Maps)

A sede velha, como era chamada, era a minha segunda casa. Também, tudo claro na minha cabeça como se fosse hoje. Na chegada, portaria muito simples e a quadra de futebol de salão, de cimento. Na sequência, o ginásio no andar de cima e, em baixo, vestiários à esquerda de quem entrava e, em seguida, a sala de levantamento de peso. Mais adiante, a quadra de peteca. Subindo a escada, o judô e o boxe. E, ainda havia um bar, na parte de baixo, bem em frente aos vestiários.

Sei que um dia, ante as circunstâncias, houve a necessidade de se vender a sede velha. Sei que hoje, ante um imóvel sem ocupação, o conselho entendeu que vender e aplicar os recursos no Centro de Treinamento era oportuno.

Da mesma forma, tenho a certeza absoluta de que, muito em breve, o Flamengo terá um equilíbrio financeiro suficiente para grandes investimentos, sem a necessidade de ter que se desfazer de sua própria história. O único problema é que este passado, parte significativa de uma vida de glórias, não poderá jamais ser recomprado. Será apenas uma doce e inesquecível lembrança para quem teve o privilégio de ter vivido momento tão especial. Só que estas pessoas não são eternas e quando a última aqui não mais estiver, terá sido quebrado definitivamente o elo entre o passado, o presente e o futuro.

A sede velha e o casarão de São Conrado deveriam fazer parte do Museu Rubro-Negro, onde todas as gerações futuras, de alguma forma, teriam o direito de, mergulhando no passado, saborear melhor o Flamengo deles.

Enfim, entendo e respeito todas as decisões, mas com um apertado nó na garganta e, lamentando pelos rubro-negros do futuro, fadados, desde já, a amar um clube com a memória comprometida.