Para refletir muito

Fernandão ergue a taça da inédita conquista da América no dia 16 de agosto de 2006

Fernandão ergue a taça da inédita conquista da América no dia 16 de agosto de 2006

Um dos integrantes da nossa família do blog é o querido Eduardo Bisotto, com quem sempre aprendemos, seja o tema, a vida ou o futebol.

Apresento aos queridos amigos e companheiros, um texto genial que merece reflexão e análise. Não vou adiantar nada, até porque, perderia o sentido o que quero questionar. Farei isto ao final deste poema…


O dia em que perdi o tesão

Era um dia 16 de agosto. Madrugada, ainda, quando deixamos Caçador. Era também o ano 2006 da Assunção de Nosso Senhor Jesus Cristo. No ônibus, além deste à época mui jovem escriba, o irmão Frutuoso Oliveira, dentre outros irmãos vermelhos. O destino? Porto Alegre. A missão: um acerto de contas com 97 anos de história.

Até então as maiores glórias que eu havia presenciado tinham sido uma goleada sonora de 5 a 2 no maior rival, no já esquecido ano de 1997 e o título da Copa do Brasil de 1992. E só. Sofri vendo rebaixamentos quase certos. Sofri vendo um dos maiores ídolos potenciais de nossa história morrer de uma morte estúpida numa curva boba em Florianópolis. Sofri vendo os co-irmãos azuis ganharem quase tudo com Felipão. Mas naquele dia 16 de agosto do ano 2006 da Assunção de Nosso Senhor, era hora do acerto de contas com 97 anos de história.

No caminho até Porto Alegre eu e Frutuoso conseguimos uma considerável soma de dinheiros em um ilícito jogo de cacheta na sala de jogos do ônibus. Dinheiro que financiou cachaças, almoço e mais cachaças até a chegada na capital do Rio Grande. Ao chegar no Porto mais Alegre do mundo uma chuva fina e um frio incomodativo nos detiveram para a compra de capas. Neste intervalo, perdemos a excursão e por muito pouco não ficamos sem os ingressos para entrar no Gigante mais lindo do mundo. A emoção da final começava antes mesmo de a bola rolar. Enquanto procurava nosso chefe de excursão, passei em frente à torcida Independente do São Paulo e os mandei tomar no lugar em que mais gostam.

Finalmente encontramos o coordenador da excursão, pegamos nossos ingressos e adentramos no Gigante para a batalha de nossas vidas. Bola rola. Rostos tensos dentro do Gigante. Tínhamos a vantagem da vitória na casa adversária. Mas um golzinho nunca foi uma vantagem de verdade, ainda mais numa decisão. Aos 29 do primeiro tempo eis que o Capitão Fernandão abre o marcador. 1 a 0. E a vantagem que era de um golzinho passa a ser de dois. Mas ainda é muito cedo. Saio pra comprar mais cachaça (estádios ainda não tinham virado centros de educação moral e cívica onde é proibido beber). Perco-me dos companheiros. Misturo-me a novos companheiros de batalha e assisto o final do primeiro tempo com eles.

Começa o segundo tempo e com apenas 5 minutos eis que os adversários (campeões do mundo do ano anterior, vale ressaltar) empatam a partida. Tensão. Angústia. Desespero. Enquanto a Guarda Popular tenta empurrar no anel inferior do Gigante, no resto do estádio é um roer de unhas, um acender de cigarros e uma seqüência de preces interminável. Um golzinho adversário e teríamos prorrogação. Eis que o negro Tinga, dono de impecável futebol, tira o grito da garganta de um Gigante que explode novamente aos 21 minutos do segundo tempo. Seguimos em vantagem. Para a prorrogação, os adversários precisarão de dois gols.

Tudo vai bem até os 40 do segundo tempo. Faltam apenas 08 minutos no máximo para realizarmos o encontro adiado há 97 anos com nossa própria grandeza. Eis que os adversários chegam ao gol de empate. No concreto sagrado do Gigante da Beira-Rio eu sentei e chorei. Tudo parecia perdido. O craque Sóbis já havia sido substituído. Abelão havia retrancado por completo o time e fisicamente os adversários pareciam muito superiores. Um gol e a prorrogação certamente mudaria tudo.

As bolas se sucedem na área colorada como num bombardeio da força aérea alemã contra Londres durante a Segunda Guerra Mundial. Como os ingleses, resistimos. Bola na área e o general Bolívar tira de cabeça. Bola na área e o general Bolívar tira de peito. Bola na área e o general Bolívar tira de costas. Os minutos tornam-se horas e passam lentamente. Sentado no gelado concreto sagrado do Gigante eu só consigo rezar, enquanto as lágrimas correm geladas pelo rosto, torcendo para que a agonia acabe de uma vez.

Finalmente um apito distante. Gritos. Choro. Abraço. Olho para o irmão do lado que nunca vi em minha vida e dou um abraço apertado. No fundo nos conhecemos: juntos esperamos aquele acerto de contas de 97 anos. Volta olímpica. Festa que não termina. E à 1h da manhã o Gigante segue lotado. Só começaremos a deixá-lo, lentamente, após mandar os co-irmãos azuis tomarem no lugar em que mais gostam. Repetidas vezes.

O dia 16 de agosto do ano 2006 da Assunção de Nosso Senhor Jesus Cristo foi o dia mais feliz da minha vida em termos futebolísticos. Curiosamente (e juro que neste dia eu não sabia), acabou ali meu tesão por futebol em termos clubísticos. É claro que eu vibrei feito louco com a vitória sobre o Barcelona. É claro que ver R. Gaúcho e companhia chorando (europeus só não dão bola pro mundial em certa imprensa brasileira) foi algo de espetacular. Mas nada se compara a estar sentado na arquibancada, em sofrer os 97 minutos de agonia daquele dia como se fossem 97 anos, em viver intensamente o maior momento da história do meu clube. Do clube do meu pai, do meu avô, do meu tio, do meu padrasto, dos meus melhores amigos. O clube da minha vida.

Hoje, acompanho o futebol de maneira interessada. Sim, muito interessada. Mas o tesão, a paixão, o amor, a inocência pura daquele 16 de agosto, isto não volta nunca mais.

Agora torço por decência. Torço para o Fluminense disputar a Segundona e voltar de cabeça erguida, não através do milésimo tapetão. Torço pelo Botafogo na Libertadores. Me emociono com um Flamengo sendo reestruturado e ainda assim vencendo uma Copa do Brasil. Torço por um Palmeiras que tenta construir um caminho mais profissional e que possa contagiar todo o futebol. Admiro o Santos e sua molecada e agora revelando até técnico. Torço pela Chapecoense, time que representa a alma do cantinho do estado da onde veio. Torço pelo Criciúma e sua torcida espetacular. E quem torce por tudo isso é impossível manter viva a chama da paixão pura e inocente de um fanático pelo próprio clube.

O tesão acabou. Restou a paixão pelo futebol. Assim como a paixão pela Fórmula 1 e pela política. Mas paixões racionais nem sequer podem ser chamadas de paixão.

No dia 16 de agosto de 2006 meu tesão acabou. E minha vida adulta começou. Mas se Einstein e sua relatividade estiverem certos, espero que aquele dia tenha ficado guardado em algum lugar do continuum tempo-espaço. Quem sabe um dia eu não volto lá para me reencontrar, assim como naquele dia uma Nação inteira se reencontrou com sua própria história?

Eduardo Bisotto


Amigos,

Voltei. Imagino que todos tenham se encantado com a delicadeza do texto, porém, há algo que me intrigou.

O querido Bisotto transferiu sua paixão pelo Internacional, decepcionado por um momento marcante, para tudo que de lindo e importante observa no futebol.  Mais ou menos como transferir a paixão pela mulher amada, para uma paixão platônica por todas as mulheres do mundo.

Aí está o ponto. Aí está a questão. Você, companheiro deste blog, conseguiria transferir a loucura de uma grande paixão para uma também linda paixão, mas…platônica ou, isto só é possível para seres iluminados?