Respondendo ao Henrique

Henrique é um dos nossos mais assíduos companheiros do blog. Pela foto, jovem, muitíssimo bem informado, conectado com o mundo, pragmático, crítico e de texto sempre bem elaborado. Vive em Santa Catarina e, tão apaixonado é pelo Flamengo que domina o tema como se morasse na Rua Gilberto Cardoso (para quem não conhece, a rua que leva o nome do inesquecível presidente rubro-negro, é por onde se estende boa parte do muro da nossa sede).

Ontem, o nosso Henrique, trocando boas ideias com o companheiro André, fez o seguinte comentário:


Andre, então poderíamos voltar à época em que o Flamengo não pagava salários, disputava para não cair, contratava reforços do Ipatinga, era despejado de CT, tinha comentarista da rádio como treinador e era mais lido na página policial do que na esportiva. Esse tempo era bom né? Ruim é agora!”


Henrique, amigo:

Convido você a uma pequena viagem pelo seu comentário, pois será uma boa oportunidade para se conhecer melhor a história do clube.

Você começou bem, dando ênfase à importância do Flamengo manter a sua dignidade, pagando religiosamente em dia os seus profissionais e funcionários. Levei isto tão a sério que, e Deus sabe como, mantivemos durante quatro anos esta relação de dignidade, não fazendo mais do que a nossa obrigação, pagando em dia a quem trabalhou. Pergunte a qualquer funcionário ou ex-atleta do clube se o que aqui afirmo corresponde à realidade. Portanto, à vontade neste aspecto, devo acrescentar que isto só foi possível por alguns fatores, dentre os quais, o mundo do marketing que começava a abrir as portas para os clubes de futebol. Outros presidentes, que viveram uma outra época, não tiveram como resolver o tema, com certeza, como gostariam. Bom não esquecer que ao longo da vida, até por uma questão estatutária, o Flamengo teve uma única forte fonte de receita – o futebol – que pagava todas as outras atividades esportivas. E, claro, o fato de se decidir mais com a emoção do que com a razão.

Quando você afirma que o Flamengo disputava para não cair, faltou o complemento: “e nunca caiu”! Todos os dirigentes que por lá passaram tiveram dificuldades. Portanto, cada caso é um caso. No que você aborda, tive uma única experiencia. Em 2005, ao lado de Hélio Ferraz, assumi o futebol que, segundo os matemáticos, tinha 93% de cair para a segunda divisão. Meus amigos me chamaram de louco por ter aceito uma causa, para eles, perdida. Confesso a você que, embora não tivesse dado volta olímpica ou, levantado um caneco, ajudar o Flamengo a sair daquela página que seria medonha, foi comovente e pra lá de gratificante.

Quanto a contratar reforços do Ipatinga, talvez você, muito jovem, não tenha a mínima noção do ocorrido. Ao final de 2005, entrando 2006, o Flamengo não tinha entre os profissionais de razoável nível, mais do que seis jogadores sob contrato. Era ir ao mercado, sem nenhum recurso, pois o clube passava por uma brutal crise financeira, ou colocar juniores e juvenis para jogar. Por isso, com a ajuda do meu amigo Zezé Perrela, presidente do Cruzeiro, e de Itair Machado, presidente do Ipatinga, conseguimos pegar, sem nada pagar, o que havia de melhor no clube que em dois anos sucessivos havia sido vice-campeão e campeão mineiro. Com os reforços do Ipatinga, em janeiro de 2006, começamos uma jornada que foi até 2009, onde conquistamos Copa do Brasil, o penta-tri Campeonato Carioca, um Campeonato Brasileiro e duas participações na Libertadores.

Quanto ao despejo do Fla/Barra, quem tiver a curiosidade de se aprofundar na matéria, basta entrar aqui no blog e clicar em “Consórcio Plaza”. Esta foi uma das mais escandalosas histórias ocorridas no Flamengo e, por incrível que pareça, ao invés do clube receber pelo enorme prejuízo financeiro e institucional, ainda está pagando. Um nojo…

Quanto ao fato de ter tido um ex-comentarista de rádio como treinador, deixo pra você a seguinte pergunta: Se a Seleção Brasileira teve um ex-comentarista como treinador, por que o Flamengo também não poderia ter?  Muitas vezes, é muito melhor arriscar, inovando, do que cair no lugar comum de profissionais que o mercado oferece no momento. E, este foi o caso. Quanto à página policial mencionada por você, confesso que não entendi. Teria sido o lance do despejo do Fla-Barra?

Para finalizar, querido Henrique, entenda que não há como se comparar momentos distintos. Hoje, Eduardo Bandeira de Mello, que com toda sua diretoria super competente, conta no orçamento anual com uma fortuna incalculável de direitos de televisão, isto só é possível pelo fato de lá atrás, Marcio Braga, Michel Assef, e mais alguns companheiros, terem iniciado uma batalha em que de um lado estava o Flamengo, querendo receber por seus jogos transmitidos, e do outro, o genial Dr. Roberto Marinho, que achava que não devia pagar nada,”pois a televisão ajudava a melhorar a imagem do Flamengo..”. A batalha foi longa e, Marcio Braga e Cia… ganharam a guerra, em que todos os dirigentes que depois vieram e, principalmente agora, estão usufruindo. Claro que, hoje, ter um talento como Fred Luz negociando, ajuda e muito. Reconheço…

Você acha legal o “sócio torcedor”? Você vê a TV FLA? Pois é.… tudo isto começou em 1995, com a campanha “Seja Sócio”, dirigida principalmente para os torcedores fora do Rio, com o batismo de “Sócio Off Rio”. Atrelado a este projeto nasceram a “TV Interativa” e a “Fla TV”. Estes projetos estão em pé até hoje, ajudando, e muito, ao Flamengo respirar financeiramente cada vez melhor.

Como detalhe final, deixo outra pergunta: Quem jogou mais bola, Zico ou Vinícius Júnior? Ou, quem foi mais importante para o Flamengo, Zico ou Vinícius Júnior?  Claro que você vai me chamar de maluco por perguntas tão estapafúrdias e, antes que isto ocorra, digo que citei este caso só para dizer que, com 16 anos, Vinicius Júnior, no seu primeiro contrato profissional pra valer, vai ganhar mais do que Zico ganhou em toda sua trajetória maravilhosa no Flamengo.

Em síntese, querido Henrique, os tempos são outros. Qualquer comparação pode ser perigosa e injusta.

Fortíssimo abraço.