Para ler e refletir

Mais uma vez enfatizo que este blog não é meu, e sim, de todos os amigos e companheiros que sabem ler, ouvir e respeitar, mesmo não concordando.

Criamos aqui, desculpem a falta de modéstia – e falo por todos nós – uma trincheira de amor, paixão, carinho e respeito que, infelizmente não se encontra com facilidade nos dias de hoje.

Por favor, leiam este texto adorável e atual do nosso amigo e companheiro EDUARDO BISOTTO, reflitam e fiquem à vontade para comentar.

Acho que já é hora de cada um de nós contribuir para o final desta selvageria que infesta e envergonha o nosso futebol.

Com vocês, EDUARDO BISOTTO:


AS REDES SOCIAIS, O ESPÍRITO DE MANADA E O SER HUMANO CADA VEZ PIOR

Li com muita tristeza o texto do Kleber sobre os eventos na final da Sulamericana, concordando da primeira à última linha. Por isso, resolvi contribuir com esta reflexão.

Lamentavelmente era uma situação perfeitamente previsível. Certo que a engenharia de trânsito, a segurança e o policiamento falharam. Mas mais certo ainda é que isso foi parido, alimentado e amplificado até não poder mais pelas redes sociais. E é com uma dor profunda no coração que escrevo isso: redes sociais são, para mim, um instrumento de trabalho. Mas é impossível não reconhecer o território de selvageria em estado puro em que as redes estão se transformando dia após dia.

O motivo é simples. É o chamado efeito-bolha. Com as minhas curtidas, o algorítimo do Facebook (principalmente) “adivinha” o quê penso, quais são meus gostos e desgostos. E então vai me mostrando tão somente aquilo que seu algorítimo “adivinhou” que eu quero ver. Vejamos na prática o efeito psicológico desgraçado que isso gera.

Li o trecho em que Kleber relembra seus tempos como torcedor em arquibancadas com muito mais torcedores, de ambos os times, misturados e sem nenhuma violência. Era natural. E era natural porque a convivência era algo treinado no cotidiano. Sim, você era um flamenguista convicto, por vezes fervoroso. Mas convivia com colegas de trabalho torcedores do Fluminense, do Botafogo, do Vasco. Encontrava eles no boteco e discutiam por horas intermináveis. E nesta interação, aprendia-se a respeitar, a tolerar, a ouvir, a cornetar e ser cornetado.

Agora voltemos aos dias de hoje. Você é flamenguista. Curte a página do Flamengo. Curte blogs ligados ao Flamengo. Lê apenas textos que tratem do Flamengo. Seus grupos no Whattsapp tem apenas flamenguistas. E então acabou a experiência de reconhecimento do outro, do diferente, daquele que discorda. Todos berram juntos. Todos unem-se não mais contra adversários, mas contra “inimigos”. E no espírito tribal, a única “disputa” que surge é pra mostrar quem consegue ser mais fanático, mais “Flamengo de verdade”, mais intolerante com o outro.

Há não muito tempo, este blog publicou outro texto meu em que eu defendia Eurico Miranda. É pública e notória a relação de amizade e respeito que une Eurico Miranda e Kleber Leite. Duas lendas do futebol brasileiro, gostando ou não. E que se cornetaram muito, que rivalizaram muito, que disputaram muito. Sabe quando isso acontecerá com a minha geração e, pior ainda, com a próxima? NUNCA! Não se compreende mais que rivais possam ser amigos. Tudo está transformado em uma guerra de vida ou morte.

Aliás, na minha página pessoal do Facebook, basta que eu trate do Flamengo para que chovem críticas: como assim? Mas não diz que é Colorado? Como pode se interessar por outro clube? E que palhaçada é esta de aparecer no blog de um dirigente histórico deste outro clube? Quem tem dois times não tem nenhum, ora essa! E os ataques amplificam. Nem mesmo a minha torcida pela Chapecoense, um time da minha região natal, no interior de Santa Catarina, o que sempre faz com que os interioranos torçam para um time da região e outro grande é perdoada: que palhaçada é esta de torcer pra Chapecoense e pro Inter? E participar do blog do Kleber Leite? Como eu não consigo te definir através dos likes? Tá de sacanagem, mermão?

É assim no esporte, é assim na política, é assim em todo e qualquer assunto que possa ter dois lados divergentes. Discorda de mim? Só pode ser safado, bandido, mal caráter.  

Junte-se este clima beligerante permanente com uma sociedade como a brasileira, que começa a sair de uma crise econômica que dura quatro anos, repleta de frustrações e problemas pra resolver e tem-se a receita do desastre.

Pra piorar, um jornalista que eu admiro demais como Rica Perrone opta pelo caminho fácil do caça-cliques com textos absurdamente infelizes. No sexta passada, dia 08/12, Rica postou em seu blog um texto com o título “Entre o santo e o bobo“, onde basicamente relembrava do tratamento recebido por torcidas brasileiras em países sul-americanos e dizia que tratar bem visitantes era coisa de menino bobo que perde a merenda no intervalo.

Na terça-feira, véspera do jogo, Rica publicou um novo texto, desta vez intitulado “Sobe pra ver“. A linguagem tá clara desde o título. É linguagem de confronto, de chamado pro embate. No texto, basicamente justifica mais uma vez quaisquer ataques que viessem (e vieram) a ser feitos aos torcedores e ao time do Independiente. 

E por quê cito Rica, mais uma vez, insisto, alguém que eu respeito demais? Porque não era um jornalistazinho de fundo de quintal. Não era um blogueiro sem expressão. Era talvez, o principal nome da nova geração do jornalismo esportivo brasileiro, alguém com um alcance brutal, como ele mesmo gosta de ressaltar. E alguém assim impacta muito mais profundamente com suas ideias do que o Zé Mané que escreve um blog falando bobagens ou apenas desopila em seu perfil pessoal do Facebook.

Hoje, com a repercussão de todos os lamentáveis eventos, Rica comete mais um texto ruim, repleto de bobagens, tentando justificar o injustificável. Já inicia negando a realidade. Diz que eventos violentos assim hoje são muito menos comuns do que no passado. Ele quer que que nós todos que vemos a realidade deteriorar dia após dia acreditemos que melhorou e não piorou. Intitulado “A blindagem dos marginais é você“, basicamente Rica tenta negar a própria responsabilidade nos eventos. Acusa. Ataca. Terceiriza. Não assume a responsabilidade em momento algum.

Mas a equação está claríssima.

Uma sociedade exacerbada. Redes sociais que mantém as pessoas em suas bolhas. Um jornalista de altíssima repercussão em redes sociais que resolve fazer média com textos na medida para inflar as bolhas. 

Se tivéssemos uma polícia mais focada em inteligência e tecnologia, nesta altura um monitoramento já teria detectado as relações de causa e efeito. E aí, certamente cada um poderia ser chamado à sua própria responsabilidade. Se não no aspecto legal, ao menos para repensar a própria prática profissional e os riscos que ultrapassar limites oferece.

Que estes eventos sirvam de lição. Poderia ter sido pior. Muito pior.

E que sirva para que nós mesmos paremos e reflitamos: as redes nos deram muito, a internet fez com que pessoas distantes se conectassem, mas as bolhas que as redes criaram não estão nos fazendo bem.

É isso que queremos para nossos filhos e netos?

O Maraca dividido meio-a-meio é um patrimônio cultural brasileiro. E não voltará enquanto não conseguirmos dar alguns passos atrás, retomando a civilidade perdida.

Eduardo Bisotto