João Saldanha, “João Sem Medo” ou, simplesmente Jhonny

João Saldanha

João Saldanha

Na época de ouro do rádio, tive o privilégio de conviver com monstros sagrados da comunicação esportiva. Ao invés de citar um por um, muito melhor aqui neste Blog, falar sobre eles, principalmente para os mais jovens.

Começo por uma figura absolutamente carismática, genial, única!!! JOÃO SALDANHA, foi o Pelé da comunicação. Guardadas as devidas proporções e, tudo mais, foi a BOSSA NOVA no mundo da comunicação esportiva. Numa época em que falar empolado, rebuscado, era o normal, João conseguiu, com simplicidade e pragmatismo, estabelecer uma linha direta com o ouvinte, espectador ou leitor, como nunca se vira antes.
O público adorava. Sem dúvida, foi o maior poder de síntese com quem já convivi. João, tinha uma filosofia de comunicação que era simplesmente, à época, revolucionária. “Quanto mais você fala, mais chance tem de dizer bobagem”. E, foi com este poder de síntese que, com ironia, atendeu e ao mesmo tempo deu uma tremenda gozada em importantíssimo diretor da TV Globo. João tinha um programa, Dois minutos com João Saldanha, colado ao Jornal Nacional. Estava ele na maquiagem, quando um aspone do diretor, esbaforido, transmitiu o recado: O ” Fulano” mandou dizer que a programação está atrasada e pediu para você ser “curto e grosso” (expressão comum em rádio e TV) João, imitando Waldir Amaral, disse: ” Deiiiiiiiiiiiixa comigo…” Luz vermelha, programa no ar e João: ” Meus amigos…Hoje no Maraca, Flamengo e São Cristóvão. Flamengo, ó…(fazendo o gesto com a mão direita deslizando suavemente pela boca, que queria dizer exatamente, uma barbada) e, encerrou como sempre. Fazendo continência com a mão direita. Foram os mais geniais cinco segundos da história da televisão. O diretor, que era outro gênio, se rendeu ao talento e, vida que seguiu…

Ainda sobre o poder de síntese. Houve um momento em que a palavra de ordem na seleção era renovação e, numa excursão à Europa, a seleção jogou em Dublin e, como renovação era moda, quase nenhum jogador brasileiro conhecido. Fim do primeiro tempo, acho que 0 x 0, com péssima atuação do nosso time. Após passar para o Cury, depois de fazer as reportagens, continuei com o fone no ouvido e, achei que estava sonhando quando João disse: “Já sei. Vocês querem saber o que eu achei das caras novas…UMA BOSTA!!!” Se hoje, causaria impacto, imagine naquela época, onde tudo era proibido…

Em contrapartida, era de uma elegância irônica com os pernas de pau. João jamais disse: “Fulano, não joga nada”. Dizia, com bossa e aquela pontinha de ironia: ” Fulano não esteve em uma tarde feliz”…

João foi a pessoa de maior cultura geral com quem convivi. Lia muito, era curioso e, tinha memória fotográfica. A maioria de suas histórias, a rapaziada achava que João estava chutando, isto é, inventando, mentindo. Mas, a segurança com que afirmava, se mentira fosse, ele acabava acreditando nela.

Certa vez, em Londrina, pegamos um táxi, João, Cury, eu e João Fogueira, nosso brilhante operador, conhecido como gato mestre. João conversando com o motorista, afirmou que uma determinada faculdade ficava em tal lugar. O motorista disse que não, que esta faculdade era do outro lado da cidade. Cury, aproveitou para dar uma gozada no João, dizendo: “só faltava essa. Você querer saber mais do que o motorista que vive aqui desde que nasceu”. O motorista riu. João, não gostou e, propôs a ele: “Vamos fazer o seguinte. Vamos, agora, para o lugar onde afirmo estar a faculdade. Se eu estiver errado, pago 100 vezes o valor da corrida. Se eu estiver certo, você nos leva no hotel, depois para o estádio e, amanhã para o aeroporto. E, vai ser de graça, com a vantagem de você ver o jogo da cabine”. O motorista pegou na hora. Após 30 minutos sendo gozado pelo Cury e pelo folgado do motorista, João apontou para um prédio e perguntou ao motorista: ” Miragem ou é a faculdade”? O motorista cumpriu à risca. João, não. “Molhou” a mão do motorista, com a generosidade de sempre.

Por falar em generosidade, esta era uma figurinha carimbada na alma do João. Quantas e quantas vezes, em meio ao regime militar, voltava ele com a roupa do corpo das viagens que fazíamos ao exterior. O que ele levava, ficava com os companheiros exilados.

Vi tudo isso. À cada dia mais me apaixonava e admirava o João. A Klefer que, hoje desenvolve o marketing esportivo, nasceu para ser produtora e operadora de uma rede nacional de rádio, quando, via Embratel, juntávamos as maiores expressões do futebol brasileiro e, João era uma delas. A mais brilhante. Ele se apaixonou tanto pelo projeto que, mesmo não trabalhando, lá estava todos os dias. Quantas e quantas vezes, dormiu por lá mesmo.

João, me pegou pela mão e me apresentou a Paris. Conhecia Paris, do Parisiense. Nas viagens para qualquer lugar da Europa, não havia erro. Metíamos a mão no bolso e, passávamos mais uns dias em Paris. O hotel era modesto. Hotel Moliére. Rue Moliére 21. O gerente era um português boa praça chamado Manoel que o João, de sacanagem, chamava de Joaquim. Até cama de casal dividimos, às vezes por falta de lugar e, às vezes para economizar e ficar mais um pouquinho em Paris. Sempre tive vontade de passar novamente na Rue Molière, no Hotel Moliére, mas tinha medo de ser traído pela emoção. Pouco tempo atrás, tendo alguém muito especial ao meu lado e, por ela influenciado, tomei coragem e fui. O Hotel estava em reforma. Decidi não mais voltar. Muito melhor guardar na minha memória o nosso Hotel Moliére. Não há uma única vez que eu vá a Paris que o João não esteja comigo. Na última, andamos três de bicicleta por mais de três horas. Duas bicicletas eram perfeitamente visíveis à todos. Havia também a do João, que só eu via.

Acho que, já tomei muito o tempo de vocês por hoje. Amanhã, continuo a falar do nosso João Saldanha. Vamos falar dele como treinador da seleção, de duas brigas, sendo um em Dublin e outra no meio da rua, com um português gigantesco. Ah, e tem o encontro do João, em Cali, na Colômbia, com Nelson Ned.

Um sábado mágico para todos.

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