Quando recebi o e-mail do companheiro José Renato, contando um pouco da vida de Peu, adorável figura humana com quem tanto convivi quando como repórter fazia a cobertura do Flamengo, bateu uma enorme vontade de dividir com vocês.
Peu foi um bom jogador que esteve presente na página mais gloriosa da história do nosso futebol. Figura doce, carismática pela humildade e, um dos raros seres humanos puros que conheci nesta vida.
Com vocês, com apresentação de José Renato, um pouquinho da doce figura deste menino alagoano.
Com vocês, Peu…
“Júlio dos Santos Ângelo nasceu em Maceió, no dia 4 de abril de 1960. Um dos oito filhos do casal formado por “Seo”Antônio, roupeiro da equipe alagoana do Centro Sportivo Alagoano, o CSA, e “Dona” Maria, lavadeira do clube, entrou para a história do futebol com o apelido de Peu. Sua infância foi vivida praticamente no campo do Mutange, onde o Azulão treinava e mandava algumas de suas partidas. Durante os jogos costumava ajudar a mãe vendendo raspadinha e atuando como gandula.
Ainda com 15 anos passou a atuar nas equipes de base da CSA, onde logo se destacou por ser um meio campista habilidoso, veloz e que avançava ao ataque com grande facilidade. Chegou à equipe principal com apenas 17 anos e logo passou a ser chamado de Pelezinho. Graças ao jornalista Marcio Canuto, sabedor sobre o quanto o peso deste nome poderia atrapalhar sua carreira, o apelido logo foi deixado de lado. A excelente campanha da equipe em 1980, quando foi vice-campeã da Taça de Prata, atual Série B do campeonato brasileiro, e campeã alagoana, galgou Peu à condição de maior ídolo da torcida azulina. Dos rivais chegou a ganhar o apelido de “Demônio Preto”. Toda esta badalação acabou chamando a atenção do então técnico, e ex-jogador, Orlando Peçanha, que o indicou ao Flamengo. O interesse rubro negro acabou provocando a realização de uma pesquisa de opinião pública promovida pelo jornal local Tribuna de Alagoas, para saber se o craque alagoano deveria seguir para o Rio de Janeiro. Para a felicidade de sua mãe, que chegara a pedir ao presidente do CSA, João Lyra, que “pelo Amor de Deus” vendesse seu filho, seu destino foi a Gávea.
Atuar no Flamengo era a concretização do sonho de seu falecido pai, que fora fã de Dida, um dos grandes nomes da história da equipe carioca e que também iniciara a carreira no CSA. Peu chegou ao “Mengo” justamente no maior ano da história da equipe da Gávea, 1981. Coube a ele substituir o maior nome rubro negro de todos os tempos, Zico, que defendia a seleção brasileira durante as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1982, durante o começo do campeonato brasileiro daquele ano. Estreou em 28 de janeiro na vitória por 2 a 0 frente ao Sampaio Corrêa no Maracanã. Com o retorno do Galinho, passou a ser utilizado como opção na linha de ataque. Embora não tenha se firmado como titular, o ano foi muito promissor para o atacante que conquistou a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca, a Taça Libertadores e o Mundial Interclubes.
Além de sua habilidade, outra característica marcante em Peu era a sua ingenuidade, o que, somado com sua gagueira, o fazia ser a vitima preferida das brincadeiras de seus colegas de time. Durante a viagem de avião entre Los Angeles e Tóquio, onde o Flamengo decidiria a final do Mundial contra o Liverpool, Zico e Junior se dirigiram a ele e apresentaram um documento onde estavam listados todos os nomes dos atletas que possuíam bigode. Alertaram Peu, que em sua foto no passaporte ele estava sem bigode, e que pelo fato do seu nome não estar no documento, ele teria problemas para entrar no Japão. O atacante se desesperou pela possibilidade de ser mandado de volta ao Brasil. Minutos depois, coube ao comandante do voo continuar com a brincadeira o chamando pelo alto falante: “Jogador Peu, por favor, se dirija a cabine de comando” Chegando lá, o comandante o alertou do “problema” e lhe entregou um barbeador e um creme, para que retirasse o bigode. Agradecido, Peu se dirigiu ao toilette. Ao sair, se deparou com quase todos os seus amigos rubro-negros que não aguentavam de tanto rir.
O ano de 1982 começou com mais uma conquista, a do campeonato brasileiro, com participação decisiva de Peu que após longo período sem atuar, ao substituir Nunes, marcou um dos gols da vitória rubro-negra por 2 a 1 frente ao Guarani, em partida, realizada no Maracanã, válida pelas semifinais da competição, em 11 de abril. Naquele mesmo jogo, no entanto, sofreu uma distensão muscular que o afastaria dos campos por um longo tempo. Seu retorno foi demorado e as oportunidades no time titular, no entanto, se tornaram cada vez mais raras. No começo de 1983, acabou envolvido em uma troca, por empréstimo pelo meio campista Lino, do Atlético Paranaense para a disputa do campeonato brasileiro daquele ano.
Peu teve boas atuações na equipe do Furacão, comandada pelo Casal 20, Assis e Washington, que chegou as semifinais do campeonato brasileiro, sendo eliminada justamente pelo Flamengo. De volta a Gávea, com apenas 23 anos e muito mais experiente, a saída de Zico para a Udinese, em junho de 1983, talvez pudesse significar novas chances para Peu, no entanto, a instabilidade da equipe carioca acabou contribuindo para a sua saída, após a goleada de 6 a 2 sofrida frente ao Bangu em partida válida pelo campeonato carioca em 7 de setembro. Foram 59 partidas com a camisa rubro-negra e 11 gols marcados.
Poucos dias depois, em 25 de setembro, já estrearia no Santa Cruz em um clássico frente ao Náutico, vencido pela equipe tricolor por 1 a 0. Peu conquistaria o titulo pernambucano daquele ano, na épica vitória por 6 a 5, em disputa por pênaltis, frente a equipe alvirrubra. Ficou pouco tempo no Arruda, e logo no começo de 1984 foi contratado pelo Nacional de Manaus para participar a Taça de Ouro, o campeonato brasileiro. A aventura no Amazonas foi ainda mais curta, e naquele ano, chegaria a Ribeirão Preto, mais precisamente no Botafogo. Acabou se firmando no clube e durante 4 temporadas foi titular da equipe na disputa dos campeonatos paulistas, atuando com grandes jogadores, tais como Raí, Marco Antonio Boiadeiro e Mario Sergio. Durante este período chegou a ir jogar no futebol mexicano, sendo campeão nacional pelo Monterrey em 1986. Passaria ainda pelo Cruzeiro, em 1989, e São José, em 1990, antes de voltar a atuar no futebol alagoano, primeiro pelo Comercial de Viçosa, e posteriormente, por quase três anos, onde tudo começou o CSA. Terminaria a carreira por lá, aos 34 anos, sendo campeão alagoano em 1994.
Peu foi um jogador vencedor, que nasceu dentro do futebol, em uma família muito simples que sempre viveu do esporte, e que ganhou o mundo, literalmente, ao fazer parte de uma das maiores equipes da história do futebol mundial, sem que em momento algum, no entanto, chegasse a perder a sua ingenuidade e verdade.”