Do Sarriá ao Centenário

Por incrível que pareça, apesar desta paixão alucinada pelo Flamengo, não foi em um jogo em que estivesse em campo o nosso manto sagrado o dia mais sofrido no futebol. Isto ocorreu na Espanha, no Estádio Sarriá, onde a Seleção Brasileira foi eliminada pela Espanha, naquele inesquecível, insuportável até hoje, 3 a 2.
Na realidade, é como se a camisa do Flamengo estivesse por baixo da “amarelinha”, que tinha o nosso Rei com a número 10, além de Leandro e Júnior. Era o Flamengo, minha paixão de vida, camuflado…
Esta decepção foi a minha maior no futebol. Nunca torci tanto por alguém, como por Zico. Já disse aqui que, às vezes, o confundia com o próprio Flamengo.

Pois bem. Acabo de receber um texto simplesmente espetacular!!!
MARCELLO PENNA, grande rubro-negro-negro, junta as duas decepções. A do Sarriá e a de Montevideo.

Boa leitura a todos. Imperdível!!!


 

Montevidéu é a nova Sarriá?

Lembro bem da minha primeira dor no futebol. Foi a primeira vez que vi Leandro, Júnior e Zico sucumbirem a um adversário, mesmo usando uma outra camisa.

Naquela época dourada, a Seleção Brasileira era escrita assim: com letras maiúsculas. Era a hora que todo mundo aparava as arestas, resolvia as diferenças e torcia junto.

A gente fazia pedágio na rua da frente de casa, para comprar tinta, bandeirinhas e um monte de alegorias para se preparar para a festa. Sim: festa. A Copa do Mundo era uma festa em nosso país.

Voa canarinho, voa…mostra pra esse povo que és um rei.
Voa, canarinho, voa…mostra na Espanha o que eu já sei.

Nosso lateral sambista, transbordava alegria e confiança – a alma daquele time.

Os jogos eram uma festa verde, amarela e rubro-negra. A Espanha encantada com o nosso jogo vistoso, o tal futebol arte. Depois de 12 anos, finalmente o Brasil rumava firme e forte para o tetracampeonato, deixando clara a diferença de categoria para os outros países.

Aí veio o que parecia impossível: em uma segunda feira quente, na cidade de Barcelona, o bom time italiano venceu um jogo que a gente só precisava empatar. Jogaram duro, foram implacáveis na marcação, armaram contra-ataques fulminantes. Nós falhamos. Zico apanhou do Gentile. O juiz ajudou. Cerezo vacilou. Paolo Rossi aproveitou.

O choro inundou o país inteiro.

O futebol arte, perdia para o pragmatismo italiano. As lições daquela derrota ecoaram por muitos anos. Precisamos de outras 3 copas, para ver o Galvão gritando: é tetra! – e com um time muito menos talentoso, muito mais tático do que técnico. Mas isso é um outro assunto.

O Flamengo de 2019 foi um time espetacular em todos os sentidos. Desde os anos 80, quando tinha Zico em campo, o Flamengo não era tão temido, tão diferente dos outros. O Flamengo treinado pelo português Jorge Jesus, dava um espetáculo parecido com o time que foi campeão mundial, com incríveis 38 anos de diferença.

O Flamengo do Jorge Jesus encantava pelo jogo de conjunto. Uma máquina maravilhosa de fazer gols, de jogar com a bola nos pés, de sufocar o adversário, de jogar todo agrupado em um espaço de 20/30 metros. Um quarteto mágico do meio para a frente, que era exuberante no trato com a bola. Saía cada golaço, parecia videogame. Uma passagem do hino era nosso combustível: vencer, vencer, vencer.

Ahhh… AQUELE Flamengo era espetacular de ver jogar.

Por muito pouco esse time não repetiu o feito de 81, contra o mesmo Liverpool. Infelizmente, estávamos esgotados, prejudicados por um calendário cruel. Aquela derrota doeu, mas caímos de pé e saímos do jogo sabendo que em condições normais, poderíamos vencer os campeões europeus. Azar do futebol, não ter visto aquele time do Flamengo ser campeão do mundial.

Depois disso, veio uma pandemia que paralisou o mundo e perdemos o nosso grande articulador, nosso Mister Jorge Jesus. Ele foi embora para Portugal – e nós nunca mais fomos o mesmo time, mesmo com 90% dos jogadores permanecendo no elenco.

Ainda assim, (mal) dirigido por outros treinadores, seguimos ganhando títulos importantes e sendo apontados como o principal time da América do Sul. Perdemos a Libertadores de 2020, por incompetência de um treinador sem nenhuma química com o Flamengo. No ano seguinte, seguimos invictos até o jogo final, em Montevidéu – o mesmo palco do nosso primeiro título continental, contra o bom e covarde Cobreloa.

O jogo contra o Palmeiras era para ser a coroação desse time – que vinha de um percurso bastante acidentado. Já passava longe da precisão da máquina de 2019, mas ainda continha muito talento.

Mas os Deuses do futebol quiseram aprontar novamente – e o Palmeiras (ou o Palestra Itália) venceu um Flamengo brasileiro. Parecido com 40 anos atrás, os “italianos” jogaram duro, foram implacáveis na marcação, armaram contra-ataques. Nós falhamos muito. Michael deu bobeira, Andreas vacilou e o pereba Deyverson aproveitou a bola do jogo.

O melhor nem sempre vence. A lição amarga que fica nos faz refletir e questionar se não chegou a hora de uma renovação mais ampla nesse time, que em 2022 estará 3 anos mais velho.

É hora de preparar um novo Flamengo, exuberante, que joga bonito, que gosta de dar espetáculo e de fazer gols. Um Flamengo implacável com os adversários, forte fisicamente e leve na construção das jogadas. Vamos encontrar um novo treinador que terá todas as condições de nos colocar de volta nos trilhos das vitórias e dos títulos.

Que Montevidéu não se torne a nossa Sarriá.

S.R.N.8

Marcello Penna