Acervo O Globo

G2

G – de gol.
2 – de dois momentos mágicos de leitura, para quem ama o futebol, em dia de arrancada do G20 na cidade maravilhosa.

Começamos por uma matéria desenvolvida por um jovem talento do jornalismo esportivo.
THIAGO LIMA nos presenteou, com requinte de detalhes, sobre a passagem do genial Washington Rodrigues, o Velho Apolo, como treinador do Flamengo.

Para quem não leu, basta clicar aqui para ter acesso à matéria…


 
Joaquim Ferreira dos Santos é uma das leituras mais inteligentes, adoráveis e bem humoradas, para os assinantes de O Globo.

VOCÊ SABE O QUE É FATIAR A BOLA?
(Sabendo ou não, esta leitura classifico como imperdível. Se você não leu, curta o texto abaixo…)

Eu não sabia, até que os narradores de futebol deram o nome novo àquele toque antigo do Didi, quando a bola é chutada sem peso, facilitando a vida do companheiro que a recebe. Os jogadores agora fatiam, como se fosse uma alcatra no açougue. Gerson, por exemplo, o fabuloso armador do Flamengo. Faz tempo que não dá um passe – ele dá uma fatiada. É o campeonato das carnes. Jogadores chutam a orelha da bola e sonham com o momento em que ela chegará à bochecha da rede.

E flutuar? Sabe o que é?

Era coisa até um tanto feia no país do botocudo Felipe Mello, um troço delicado demais para a masculinidade ludopédica. Eis que flutuar virou elogio à capacidade de deslocamento, um jogador que não se limita a um único setor. Tostão, na Copa de 70, se mexia por todo o campo. Sem saber, ele flutuava, dificultando a defesa adversária de encaixar (esse verbete do futebolês moderno eu tento explicar adiante).

O futebol é uma caixinha de surpresas e uma das mais gostosas é a renovação do vocabulário, como se um Pepe Guardiola também se encarregasse do dicionário do jogo e avançasse palavrinhas pela beirada (lateral já era), amassasse as expressões no último terço do campo e espetasse um atacante na zona do agrião para, olha o que ele fez!, estufar o véu da noiva.

O futebolês de hoje às vezes soa pernóstico, vem com um tal de jogo vertical, de afundar a última linha, de minutagem, de chamar passe de assistência, mas, assim como não existe gol feio, é um dialeto da nacionalidade. É língua que se mexe viva na intermediária adversária, adentra o gramado, domina o costado esquerdo da cancha e vai reinventando o verbo que o país adora falar.

Eu sou do tempo do politicamente incorreto. Waldir Amaral, na Rádio Globo, gritava gol dizendo para o goleiro, “Não adianta chorar, Castilho, a nega tá lá dentro”, enquanto na cabine ao lado, no anel superior das arquibancadas do colosso do Maracanã, o coleguinha Orlando Batista, da Rádio Mauá, gritava o mesmo gol ordenando malicioso ao juiz do prélio, “Bota no meio, Malcher”.

Gosto dessa tagarelice dos boleiros, dos clichês que apontam a falha clamorosa do arqueiro, da necessidade de encurtar os espaços, do artilheiro que converte o pênalti, do falso 9 que sente o músculo adutor da coxa direita e dessa balburdia semântica em torno da contenda, do cotejo e do match.

Nelson Rodrigues dizia que cego no futebol é quem só vê a bola, uma crítica aos que sabiam mais de overlapping do que ele, mas desprezavam os dramas. Eu digo que surdo no futebol é quem só ouve o apito de sua Senhoria e não presta atenção no português mutante do jogo, sempre pedalando novidades, rifando a bola, fazendo marcação alta e procurando a defesa encaixada, aquela – eu disse que tentava explicar – em que o central faz a cobertura do ala enquanto o volante flutua ajudando na recomposição da tal última linha.

Luiz Mendes, da Rádio Globo, era conhecido como “O comentarista da palavra fácil”. Foi antigamente, no tempo do goleiro de joelheira. O futebolês agora é o da palavra complicada. Há treinadores com esquema tão filosófico que entregam o campo ao adversário e se deixam amassar, se deixam sofrer, jogando por uma bola para matar a partida. Ah, Nelson Rodrigues, você precisava estar aqui!

Joaquim Ferreira dos Santos


 
Acredito que esta maratona literária tenha sido um belo programa neste feriadão.

Sobre a política rubro-negra, falamos na reta final das campanhas.
Alguns depoimentos que tenho ouvido, e lido, representam verdadeiros atentados ao bom senso e inteligência de quem tenha um mínimo de conhecimento de causa sobre Flamengo e bola.