O brasileiro que ganhou do príncipe árabe

bangu-atltico-clubeAno, 1971. A Liga Americana de futebol contratou o Bangu, que tinha um bom time, para um giro de quase três meses. Naquela época, era lei, qualquer delegação brasileira que viajasse para o exterior ter entre os membros da delegação um jornalista. O convidado para este autêntico “filet mignon” foi o saudoso Afonso Soares que, em cima da hora, por um problema de saúde, comunicou que não poderia viajar. Numa atitude de extrema delicadeza, os dirigentes do Bangu solicitaram que o convidado indicasse um substituto. E Afonso me indicou. Curioso, como as almas se encontram. Ele, tricolor. Eu rubro-negro. Ele, portelense. Eu, Estação Primeira de Mangueira. Ele, consagrado, talento raro. Eu, nada. Começando… Enfim, por estes inexplicáveis encontros de alma, Afonso Soares proporcionou a minha primeira viagem internacional. E, na primeira, logo para os Estados Unidos…

O Bangu tinha um belo time. Ney, que até um tempo atrás estava no Santos como treinador de goleiros, era o número 1 do time. Goleiraço!!! Cabrita, o lateral direito. No meio, Fernando, o camisa 5, que parecia meu irmão gêmeo e, sobre isto ainda tenho algo curioso para contar. Alves, era um meio campista super criativo. Jorginho carvoeiro, logo depois campeão brasileiro pelo Vasco, era o ponta-direita.  Edson Trombada, um tanque, que depois foi para o Flamengo, era o centroavante. Samuel, talentosíssimo, era o camisa 10. O treinador era o famoso Esquerdinha.

Em Chicago, após uma exibição de gala, o chefe da delegação, Heider José de Souza, foi procurado pelo presidente da comunidade brasileira local, que convidava a delegação para jantar e comemorar a vitória na boate, que era a sensação do momento. Convite feito, convite aceito pela maioria da delegação. E lá fomos nós saborear a vitória e conhecer o point de Chicago. Na chegada uma desagradável surpresa. Lá, já estava o presidente da nossa comunidade verde e amarela, comunicando que, infelizmente, a boate fora fechada para uma festa prive por um príncipe árabe. Após inúmeras tentativas por parte do nosso pessoal local, quando estávamos indo embora, surge um esbaforido enviado do príncipe árabe, dizendo que o mesmo havia assistido ao jogo e se encantara com o time do Bangu, convidando toda a turma para comemorar com ele a grande vitória. Entramos animadíssimos, e nos deparamos com uma disposição de mesas um tanto quanto estranha. Era uma fileira única de cadeiras em frente ao palco, onde o príncipe estava bem no meio e, óbvio, sobrou para nós a ponta-esquerda.

Começa o show e aparece uma contorcionista/dançarina, fenômeno de beleza, que deixou todos loucos. Ao meu lado um dos jogadores do Bangu foi literalmente à loucura. Saiu do sério. Ficou de joelhos, rezou para ela, enfim, fez o diabo para ser notado pela musa. E foi!!! Final do show. Quando o nosso personagem imaginava invadir o palco e se declarar para aquela loucura de mulher, um som de palmas… Era o príncipe convocando a deusa para ficar com ele. Na passagem até o príncipe o nosso craque se ajoelhou diante dela e, em português, rogou que voltasse para ele. A deusa, que nada falava de português, foi para o príncipe e, como num passe de mágica, terminou nos braços do brasileiro jogador. Sumiram…O príncipe irado. Ambiente horroroso. E nos restou ir embora.

Dia seguinte. Nova viagem. Saída marcada para o aeroporto para às 08:00h. Uma hora e meia antes, fui procurado pela nossa turminha preocupada com o louco desaparecimento do nosso craque. Depois de algumas providências, como arrumar sua mala e esperar por um milagre do aparecimento, eis que avisto no estacionamento do hotel, no carro conversível dela, o casal, apaixonado, abufelado e, em prantos, se despedindo. Com delicadeza, lá fui e disse da importância de seguirmos viagem. Já havia gente querendo punir o nosso craque por indisciplina, inclusive, já programando uma volta desgarrada…solitária… Felizmente, houve tempo para tudo. Para a despedida, para pegar o ônibus que nos conduziria ao aeroporto, e para todo o restante da excursão. Na volta, lado a lado, com ele no avião, vi por uma dezena de vezes a foto daquela linda mulher, mostrada por ele, com certeza, sua alma gêmea. Mostrava e chorava, afirmando que aquela era a mulher da vida dele. E foi!!! Embora nunca mais tivessem se encontrado…. E que mulher!!! Reverenciou o amor, felizmente, muito mais importante do que um príncipe árabe. Este depoimento é uma homenagem à mulher, como ser sublime, capaz de tudo pelo amor. E ao meu querido amigo que, com amor e talento, mandou um príncipe árabe para o espaço.

Com todo respeito…