O fim da hipocrisia

CONMEBOL_logo.svgNo agradável encontro com os deputados federais em Brasília, houve uma pergunta de como eu via e, a que se devia, esta loucura no futebol sul-americano, com quase todos os presidentes das federações confessando o recebimento de propina.

A minha resposta foi simples e direta: “Hipocrisia. O mundo do futebol é hipócrita”. Na sequência, afirmei que, conceitualmente, divido o futebol em duas situações. Os clubes e todo o restante. Nos clubes, pela paixão, é absolutamente possível a entrega de corpo e alma, sem qualquer interesse financeiro. Citei o meu exemplo, como presidente do Flamengo durante quatro anos, e como vice-presidente durante outros tantos.

Jamais permiti que, mesmo a serviço do clube, o Flamengo pagasse qualquer passagem aérea, estadia em hotel ou, uma simples Coca-Cola. Duvido que alguém encontre no clube uma única nota assinada por mim.  Isto é um comportamento cuja origem é a paixão. Daí vem a entrega, a doação, num autêntico sacerdócio. E, nem preciso dizer, até porque é estatutário, que nenhum dirigente amador, no Flamengo e na maioria dos clubes, é remunerado. Há muitos dirigentes apaixonados pelos seus clubes que se entregam de corpo e alma, sem imaginar nada em troca, qual não seja o prazer inenarrável de colaborar para a vitória, para a conquista, para a glória do seu clube.

Agora vamos para o outro lado. Algum paraguaio torce pela Federação Paraguaia? Algum argentino torce pela AFA? Algum brasileiro torce pela CBF?

Antes do futebol ser atingido pelo mecanismo comercial, onde circula uma fortuna incalculável, ser dirigente de uma federação, talvez pela vaidade, o que é normal no ser humano, visava o prestígio pessoal.

Naquela época, o futebol não estava envolvido pelo amplo segmento comercial (direitos de TV, marketing, publicidade em geral etc.). Os recursos vinham exclusivamente da renda dos jogos.

Quando houve a transformação, e o futebol virou um grande negócio, os dirigentes das diversas federações do nosso continente viam rios de dinheiro passando por suas mãos e, ao invés de, no embalo desta transformação, introduzirem uma filosofia moderna e profissional de gerenciamento, com presidente e diretoria participando do lucro anual, como ocorre em qualquer grande empresa, optaram pelo caminho da hipocrisia e da mentira, mantendo salários ridículos – e ás vezes nem isso – e, participando dos negócios através de mecanismos antiéticos, quando poderiam receber a mesma coisa dentro da mais absoluta legalidade e justiça.

Este triste episódio tem o seu lado positivo. Vai transformar por completo a relação, e de forma justa.

Que problema há em um presidente que, não por paixão e sim profissionalmente, receber um percentual do lucro que ele ajudou a criar? Vejam bem: não estou falando em salário, até porque seria redundância, pois para quem trabalha profissionalmente no dia a dia, o salário é mais do que óbvio. Estou falando em participação no lucro anual, como acontece na Ambev, na Coca-Cola, na IBM etc.

Pode não ser um discursos politicamente correto, pode não ser um discurso popular, mas não posso deixar de dizer o que penso. Leio agora que os suíços descobriram que Joseph Blatter recebeu 80 milhões de dólares como bônus pelos bilhões de dólares de lucro da FIFA nas edições da Copa do Mundo, enquanto ele presidente era. Pergunto: se isto foi aprovado por quem de direito, se estava escrito, se era legal, onde está o crime?

Aí, vamos retornar ao tema original: pura hipocrisia…

Em síntese, é hora de mudar. Mesmo que seja através deste triste episódio. Antes tarde do que nunca…