Renato Maurício Prado: para sua reflexão

No Globo de hoje, você escreveu o seguinte:

Reprodução do Jornal O Globo, página 29, 10/04/2015

Ainda ontem, escrevi sobre o tema e, agora tenho a oportunidade de me aprofundar nele. Primeiro, Renato, também acho saudável que o Flamengo no seu estatuto passe a responsabilizar os dirigentes. Veja bem, eu disse os dirigentes e não só os presidentes que, por má fé, inconsequência ou incompetência, tragam prejuízo visível ao clube. Ajustes devem ser feitos para que injustiças não sejam cometidas. Não pode o presidente responder por tudo no clube, até porque, para isso existem os vice-presidentes e os diretores.  Vou citar um caso recente: O Flamengo teve, em função de uma bobeada do pessoal do futebol, um enorme prejuízo na operação envolvendo o centroavante Hernane. Pergunto: O presidente Eduardo Bandeira de Mello deve responder com seus bens pessoais pelo prejuízo que teve o Flamengo? Já disse e repito que o presidente do clube não pode bater o corner e ir fazer o gol de cabeça. Há de se reconhecer que os vice-presidentes e diretores também devam ser responsabilizados, o que é o caso…

Ainda sobre a localização de responsabilidades, cito a ação do Banco Central que, anos depois, entendeu que em 1998 o Flamengo deixou de pagar impostos relativos a uma transação de jogadores em que não houve um único centavo envolvido. O Flamengo cedeu Sávio ao Real Madrid que, em contrapartida, cedeu ao Flamengo Zé Roberto e Rodrigo Fabri e, após se acertar na Espanha, respectivamente com Valencia e Mallorca, nos entregou, Romário e Palhinha. À época, este tema foi desenvolvido pelas vice-presidências jurídica e financeira. Coube ao presidente negociar e fechar o negócio. O desenvolvimento jurídico e financeiro, por quem de direito no clube, cada um em sua área. Esta pendenga continua sendo discutida no judiciário. Particularmente, acho, e muitos advogados consultados por mim também acham, que o clube tem razão, até porque, quando posteriormente o Flamengo fez dinheiro vendendo Zé Roberto, os impostos foram pagos.

Além da localização de responsabilidade, se do presidente ou dos vice-presidentes, há outra questão. Uma causa pode ser perdida por incompetência, ou até mesmo má fé de quem está fazendo a defesa pelo clube. Neste caso, e a história do Flamengo conta inúmeras situações como as que acabo de citar, principalmente na área trabalhista, a quem responsabilizar?

O famoso caso do Shopping Center é o exemplo mais cabeludo. Peço a sua paciência em clicar AQUI e relembrar nos mínimos detalhes esta página negra na história do clube.

Em síntese, caro Renato, embora o assunto tenha nascido na época em que era eu o presidente, na gestão seguinte, ao invés do Flamengo ingressar no judiciário contra o Consórcio, de forma estranha, passou a negociar uma dívida que nunca existiu. Quem deve ser responsabilizado? Aliás, sobre este assunto, li recentemente que os advogados que estão trabalhando para o Flamengo obtiveram a suspensão das penhoras. Parece que, finalmente, este rio vai seguir o seu curso normal e justo.

No plano pessoal, devo contar a você que, por vontade própria, devolvi aos cofres do clube uma quantia significativa que julguei ter sido eu o responsável pelo prejuízo. Assim que assumi, apareceu uma cobrança absurda (se não estou equivocado, à época 100 mil dólares), feita por um empresário que mandava fitas do exterior para o departamento de futebol, para que este estivesse sempre atualizado com os jogadores que atuavam principalmente na Europa. O “padrinho” da cobrança, provavelmente sócio do empresário, era um ex-dirigente que, furioso ficou quando informado que não pagaríamos aquela cobrança absurda. O tempo passou e, um belo dia, meu amigo Michel Assef quis saber o motivo de eu ter voltado atrás e ter autorizado o citado pagamento. Disse que não autorizei nada e Michel me mostrou o recibo. O Flamengo havia pago o que não devia. A explicação veio depois. Na ausência do vice de finanças que fora trabalhar em Portugal, enquanto procurávamos um substituto, pedi a uma pessoa que, até então julgava ser séria, que ocupasse interinamente o cargo. Resultado: este dirigente, mancomunado com o outro ex-dirigente, autorizou o pagamento. Aí, a responsabilidade pelo prejuízo claramente foi minha. Coloquei a raposa no galinheiro. Como não poderia deixar de ser, paguei, por livre e espontânea vontade, a conta. O Flamengo não teve nenhum prejuízo. Paguei pelo meu erro grosseiro de avaliação.

Para encerrar, há um outro tipo de prejuízo, talvez o maior de todos, que jamais cometi e que muitos, e não citados por você, cometeram, qual seja o prejuízo moral, a agressão à dignidade institucional que joga no chão o valor real do clube. Mesmo tendo recebido o Flamengo com quatro meses de salários atrasados, não só no futebol, mas também dos 600 funcionários, a dignidade foi mantida durante o nosso mandato, com todos recebendo até o quinto dia do mês subsequente ao trabalhado. Quanto vale em termos institucionais o mundo inteiro saber que um clube não honra o seu compromisso mais importante?

Apenas para registrar que o “milagre” foi possível, primeiro graças ao desprendimento de três rubro-negros que, com seus “bens pessoais”, colocaram a casa em ordem e, depois, graças ao trabalho realizado na captação de novos  recursos,  que fez com que o Flamengo, num país de terceiro mundo, fosse o sexto clube em arrecadação no planeta, em que o carro chefe do marketing foi Romário, o melhor jogador do mundo, que foi contratado ao Barcelona sem que o Flamengo tivesse que colocar um único centavo. Ah, ia esquecendo: além de manter a dignidade durante quatro anos, pagamos uma fortuna de dívidas relativas a administrações anteriores.

Enfim, dados para sua reflexão que, quem sabe, poderão contribuir para suas futuras análises, e para conclusões mais justas.