Lorenzo Sanz com a Liga dos Campeões de 1998 (📷 Getty Images)

Lorenzo Sanz

Esta história começou no final do ano de 97. O Flamengo havia feito uma boa campanha no Campeonato Brasileiro e, Paulo Autuori, nosso treinador, me pediu cinco jogadores que, segundo ele, seriam fundamentais para que pudéssemos ter um ano de 98 com muitas conquistas.

Em ordem de importância: Rodrigo Fabri, à época o melhor jogador em atividade no Brasil, Zé Roberto, Romário, Palhinha e Cleyson.

Como esta foi a ordem em importância, comecei, claro, por Rodrigo Fabri. Não foi difícil apurar que, embora jogando na Portuguesa de Desportos, o Real Madrid havia garantido a prioridade para a compra definitiva, pagando ao clube paulistano um milhão de dólares. Para ter em definitivo teria que pagar mais nove milhões. Se não confirmasse a compra, perderia no dia 31 de dezembro de 1997, o milhão de dólares que havia antecipado.

Não me restava outra alternativa senão ir para Madrid. Dody Sirena – gênio do showbiz, hoje “anjo da guarda” do Rei Roberto Carlos – através de um amigo espanhol, agendou minha reunião com o presidente do Real Madrid, Lorenzo Sanz.

Na sede do Real, fui recebido por uma doce figura humana, com quem tive imediata empatia. É aquele tal negócio que falo sobre o magnetismo da afinidade que, encurta tempo, une amigos, sócios, casais e por aí vai…

Em pouco tempo nos tornamos “amigos de infância”.

O que o traz a Madrid? Indagou ele. Respondi que lá estava para propor um seguro. Perguntou Lorenzo: “Você trabalha com seguro”? Disse a ele que era um outro tipo de seguro, mas antes de entrar no mérito da questão, precisava saber se tinha o Real Madrid a intenção de pagar mais nove milhões à Portuguesa para contratar Rodrigo Fabri. Como não tinha total domínio do assunto, imediatamente, convocou Pepe, gerente de futebol que, chegou afirmando ter sido a minha intervenção providencial, pois o tema estava esquecido e uma decisão precisava ser tomada, já que o prazo para o depósito dos nove milhões de dólares estava para se esgotar.

Lorenzo quis saber a minha opinião sobre Rodrigo Fabri. Disse que, se fosse eu presidente do Real Madrid, não perderia tempo, ao que Lorenzo retrucou: “não estou entendendo. Você demonstra interesse no jogador e diz que eu devo comprar?”

Na sequência do diálogo, perguntei se eles tinham convicção no investimento. Lorenzo olhou para Pepe, que confirmou ser Rodrigo Fabri a melhor aposta no futebol brasileiro, mas lembrando dos nove milhões…

Como senti uma dúvida no ar, entrei com a história do seguro que era muito simples. O Real contratava Rodrigo Fabri, pagando mais nove milhões, o colocava no Flamengo por dois anos. Paralelo a isso, o Flamengo fixaria o preço de três jogadores de forma imediata. Ao final do segundo ano, o Real poderia ter Rodrigo Fabri ou, um dos jogadores com preço do passe fixado.

Lorenzo ouviu com atenção, achou, em tese, a ideia boa, e perguntou a Pepe que jogadores do Flamengo recomendava ele. Pepe citou Sávio, Júnior Baiano e Lúcio.

O que aqui resumi foi um papo de quase três horas e, lá pelas tantas, Lorenzo disse que precisava maturar o tema, ato contínuo me convidou para almoçar. Fomos para o Demaria, de propriedade de um argentino boa praça, onde o mundo do futebol frequenta.

A partir daí, durante duas semanas, ficamos amigos em que almoçamos e jantamos juntos quase todos os dias, sempre com bons vinhos e muitas charutadas.

Na segunda semana, estava eu na sala da presidência, quando juntos entraram Lorenzo e Pepe. Senti o ambiente tenso. Havia um problema trazido por Pepe, em que Zé Roberto entrara em atrito com o treinador por não mais querer jogar na lateral esquerda.

Ouvi e me ofereci para sair da sala para deixá-los à vontade, ao que Lorenzo me homenageou: “Fique. Você já é de casa” – disse ele.

Saímos para almoçar no Demaria, e lá, em almoço quilométrico, saímos fechados. O Real pagaria os nove milhões à Portuguesa e, a partir daí: o Flamengo cederia Sávio ao Real Madrid que, em contrapartida cederia ao Flamengo: 50% do passe de Rodrigo Fabri, 100% de Zé Roberto, pagaria ao Valência a liberação de Romário, ao Palma de Mallorca a de Palhinha e, ao Cruzeiro a de Cleyson.

Negócio fechado e realizado.

Ficamos amigos, amizade estreitada quando Lorenzo veio ao Brasil para o mundial de clubes. Após isso, volta e meia mantínhamos contato.

Hoje, recebo a triste notícia de que Lorenzo Sanz foi uma das vítimas desta praga de nome coronavírus.

Da internação até a morte, foram dois dias. Morreu enclausurado, não em casa, ao lado de sua família, mas em um hospital sem poder sequer dizer adeus para alguém que amasse.

O futebol está de luto. O mundo está de luto.

Descanse em paz, querido amigo. Você marcou época. Você foi um presidente do tamanho do Real Madrid.