VELHO APOLO E EU

Nossa história de vida começa muito antes do primeiro abraço. Década de 60, eu Flamengo louco e assíduo ouvinte de rádio. Erámos íntimos, só que ele não sabia disso. Em 69, quando me tornei repórter da rádio Tupi, em um destes voos para cobrir um jogo, por coincidência, sentamos juntos. A paixão foi imediata.
Ele perguntou:
– “Você é o Kleber Leite, não é?”
– “Sou eu mesmo”, retruquei.
– “Tenho ouvido. Você é muito bom, mas quero te dar um conselho.”
– “Claro, vou ficar grato.”
– “Outro dia, ouvi você dizendo que ‘no domingo próximo passado’… pra que o
próximo. Não é que esteja errado, mas totalmente desnecessário. Fica rebuscado e esta não é a linguagem do rádio.”
Este “toque” foi ponto de partida para uma amizade profunda.

Concorrentes ou em uma mesma equipe, tivemos uma convivência familiar, onde, obrigatoriamente, as férias eram na Disney, em que ele se divertia mais do que os nossos filhos, ainda meninos.
Meu ciclo no rádio foi até a Copa de 90, na Itália. Eu na Globo. Ele na Nacional.

Continuamos unidos, cada um na sua, até que, cinco anos depois, voltamos a trabalhar juntos. Eu, presidente do Flamengo. Ele, nosso treinador.
Em momento de turbulência emocional no nosso time, precisava de alguém que, em tempo recorde, pudesse reestabelecer a paz interna. Precisava de um super agregador e que conhecesse do riscado. Pesou, também, na minha decisão, a experiência vivida por outro gênio, João Saldanha.
Deu certo. Uma campanha notável na Super Copa. Oito jogos. Sete vitórias e uma derrota.
A auto estima do torcedor rubro-negro voltou ao topo. Washinton era adorado, venerado…
O maior concorrente de Romário em popularidade não era nenhum outro jogador. Era o genial e carismático Velho Apolo.

Por falar em genial, só mesmo um fenômeno da comunicação era capaz de ter brutais índices de audiência em plena madrugada. O Show da Madrugada, na Rádio Globo, foi algo inovador. O Brasileiro mudou seus hábitos. Saiu o sono e entrou a alegria.

No velório realizado na sede do Flamengo, tive a oportunidade de sugerir aos diretores da Rádio Tupi que lá estavam, que dessem sequência ao “Show do Apolinho”. O mesmo nome. Eternizado, independente de quem venha ser o apresentador. Acho que gostaram da ideia…

As nossas peladas no Alcidão (campo lindo no Recreio dos Bandeirantes) eram espetaculares. Para quem não sabe, Velho Apolo era um belo centroavante. Agudo e habilidoso. Gostava de jogar comigo pois sabia eu das suas manhas. Bola esticada, jamais! No máximo, um metro na frente, pois o peso já começava a atrapalhar.
Peladas com supercraques: Orlando Lelé, Miguel, Dé, Gerson – Canhotinha de Ouro – Zico e por aí vai.
A maior pelada do Alcidão foi entre a Família Antunes, “reforçada” por mim e pelo Velho Apolo, contra a seleção do Alcidão. Ganhamos. 3 a 2. Washington guardou o dele.
Neste jogo, tabelei com o Galo que deu uma fomeadinha e perdeu o gol. Na recomposição, voltando juntos para marcar, ouvi as desculpas de Zico. “Desculpe, foi mal. Deveria ter passado. Fomiei”…
Velho Apolo ouviu e encaixou: “ouvir isto do Zico é melhor do que fazer um gol de bicicleta”…

Muito me impressionou a expressão de paz no rosto do meu amigo irmão. Quanta serenidade na hora do adeus. Quanta paz naquele semblante. Paz de dever muitíssimo bem cumprido. Paz por se sentir amado. Paz por ter amado tanto.
Aos seus três filhos, Patrícia, Bruno e Wastinho, transmiti duas mensagens. A primeira, que cada um tivesse a certeza de que ganharam a mega sena no dia em que nasceram. A segunda, não como consolo, mas por ser absolutamente verdadeira, a de que os gênios são eternos.

Washington Rodrigues, o Velho Apolo, segue vivo. Hoje, nos nossos corações. Amanhã, depois e depois, eternizado pelas histórias da vida, do Rádio, do Flamengo e do futebol. Obrigado por tudo, querido irmão!
Também ganhei na mega sena.


 
Abaixo, uma bela homenagem do Museu do Flamengo.